Por um capitalismo menos dopaminado

Lucas Favaro
5 min readApr 21, 2020

O capitalismo gera prosperidade, é o melhor sistema econômico que existe, etc. e tal, etc. e tal. Mas há coisas muito ruins nesse sistema, e na minha opinião uma das piores coisas, senão a pior, é o aproveitamento por parte de muitos empresários dos impulsos humanos para lucrar.

Para explicar melhor o que quero dizer, preciso voltar muito no tempo. Preciso explicar, de modo simplista nem que seja, alguns dos mecanismos inventados pela evolução para que conseguíssemos sobreviver e passar nossos genes adiante.

O ser humano sobreviveu através da caça e coleta a maior parte da sua história, mais de 300 mil anos. Só nos tornamos criaturas sedentárias há meros 10, 12 mil anos. Isso quer dizer que grande parte dos nossos genes, e portanto do nosso comportamento, é legado do período em que vivíamos em pequenos bandos nômades caçando e coletando. Ainda não houve tempo suficiente para que esses genes se modifiquem e deem origem a genes adaptados para sociedades agrárias, tampouco para as sociedades afluentes da modernidade. Em síntese, somos símios moldados para viver nas savanas, mas de repente nos encontramos perdidos nas grandes metrópoles.

Daí que muitos comportamentos nossos de hoje em dia são prejudiciais para nossa sobrevivência e prosperidade, mas nós os fazemos mesmo assim porque esses mesmos comportamentos eram benéficos nos tempos em que vivíamos nas savanas. Exemplo: se no tempo das savanas você encontrasse uma figueira carregada de figo, qual era a atitude mais propicia à sobrevivência naquela época? Obviamente, encher o bucho, comer o máximo que você aguentar. Por quê? Porque figo é rico em açúcar, e o açúcar é fundamental para termos energia e sobrevivermos. Isso significa que aqueles mais propensos a comer a maior quantidade de açúcar possível eram justamente aqueles mais saudáveis e que deixavam o maior número de descendentes. Alimentos contendo açúcar eram raros de encontrar, por isso era fundamental você se alimentar bastante quando tivesse oportunidade.

Então somos apaixonados por doce por causa do nosso legado caçador-coletor. Deixa eu fazer mais uma digressão (prometo que é a última): qual o mecanismo que dá origem ao ímpeto para comermos doce? A vontade de comer doce não vem out of blue, ela tem que ter origem em algum lugar. Precisa haver algum mecanismo físico/fisiológico por trás dessa vontade. O mecanismo é justamente esse: o cérebro produz o neurotransmissor dopamina quando comemos doce. Esse é o neurotransmissor do prazer por excelência. Ele está envolvido em basicamente qualquer atividade que nos dá prazer. Se alguma atividade faz nosso cérebro produzir dopamina, nós queremos praticar mais e mais dessa atividade. Por isso nosso cérebro foi moldado a produzir um caminhão de dopamina durante aquelas atividades que nos permitiam sobreviver nas savanas, originando o ímpeto para que buscássemos fazer ao máximo essas atividades, e assim prosperar e multiplicar nossos genes. Essas atividades incluem sexo, alimentação, interação social, exercício físico, dentre outras. Dessa forma, a evolução nos moldou para sermos apaixonados por doces, sexo, conversas, fofocas e assim por diante.

Fast forward para os dias de hoje. Diabetes é um dos principais causadores de mortes no mundo. Por quê? Porque as pessoas se empanturram com doces. Por quê elas fazem isso? Porque nosso cérebro se inunda de dopamina toda vez que comemos doces. Então uma atividade que era propícia à sobrevivência nos tempos da savana — se empanturrar de açúcar — hoje em dia é justamente o oposto: é uma atividade que deteriora nossa saúde, diminuindo assim nossas chances de passarmos nossos genes adiante. Por que é tão prejudicial se empanturrar de açúcar hoje, mas era benéfico no passado? Porque no passado o açúcar era raro. Era uma dificuldade danada encontrar essa substância. Hoje em dia, nessa nossa sociedade afluente & capitalista, pelo contrário, arrumar açúcar é fácil e barato. A sua forma mais saborosa está concentrada em muitos alimentos acessíveis a quase todo mundo: refrigerantes, todo tipo de doces, pães, alimentos industrializados, etc.

Deixa eu acrescentar nessa história uma explicação simplificada de como o capitalismo funciona: os consumidores buscam satisfazer suas vontades, os vendedores buscam lucrar. Os vendedores só lucrarão se satisfazerem as vontades dos consumidores, e quanto mais eles satisfazem, mais eles lucram. Ocorre que essa atividade, de satisfação de vontades mediante vendas e compras, não necessariamente é a atividade mais compatível com hábitos saudáveis e com o bem-estar de longo prazo.

Nesse processo darwiniano de busca pelo lucro, em que aqueles empresários que mais satisfazem as vontades dos clientes mais lucram e aqueles que menos satisfazem quebram e são expulsos do mercado, os empresários mais espertos descobriram a fórmula mais certeira e perene de lucrar: se aproveitar dos nossos mecanismos primitivos, aqueles que nos permitiam sobreviver nas savanas. Esses mecanismos estão enraizados no nosso comportamento impulsivo e é muito difícil lutar contra eles. Uma forma certeira de lucrar é se aproveitar do mecanismo que gera dopamina. Desse modo, aqueles produtos que mais geram dopamina no cérebro serão justamente os produtos que dominarão o mercado.

Refrigerantes são os produtos que dominam o mercado de bebidas. Redes sociais, e facebook em específico, dominam a internet. O mercado de jogos é bilionário. Pizza, bacon, carne gordurosa são consumidos alucinadamente. Opioides, cocaína, crack, heroína são usados extensivamente. Pornografia é um dos maiores mercados da internet. Amontoados de peças de roupa são comprados freneticamente. O que todos esses produtos têm em comum? Isso: o ato da compra ou consumo deles enche nosso cérebro de dopamina.

E assim, levados pela dopamina, vivemos em uma era de viciados em refrigerantes, doces, comidas gordurosas e pouco nutritivas, redes sociais, drogas, videogames, pornografia, consumismo. Resultado? Um mundo repleto de pessoas diabéticas, obesas, com doenças coronárias, viciadas em pornografia, drogas, videogames e redes sociais, consumistas de produtos supérfluos. Isso que nem vou entrar no assunto dos problemas ambientais causados pela nossa ânsia em obter dopamina. Deixo isso pra outra hora.

Como fazer pra superar esse problemão? Seria através da regulamentação estatal? Ou então de uma guinada total no sistema econômico, isto é, da derrubada do capitalismo? Acredito que a primeira alternativa, apesar de poder ser eficaz em alguns casos, é perigosa e pode gerar um problema maior do que aquele que queremos resolver. Já a segunda alternativa é totalmente inviável: a única alternativa ao capitalismo, hoje, é o socialismo, e o socialismo gera problemas muito maiores que o capitalismo, como a história atesta.

Creio, então, que a melhor forma de, se não solucionar o problema completamente, pelo menos minimizá-lo, passa pela conscientização de cada um. Devemos nos conscientizar de que vivemos em uma sociedade que nos empurra toda hora a trocar o bem-estar de longo prazo pelo de curtíssimo prazo. Consumir produtos que nos enchem de prazer momentâneo é fácil demais, barato demais, acessível demais. Consumir produtos que maximizem o nosso bem-estar de longo prazo é que é difícil. Precisamos nos conscientizar que viver jogando videogame ao invés de fazer algo mais produtivo é consequência de um mecanismo originado nos tempos de caçadores-coletores. Precisamos nos conscientizar que ao consumir pornografia à rodo ao invés de ir atrás de um parceiro, estamos nos enganando. Precisamos ter noção que se alimentar de comida insalubre (refrigerantes, lanches, carnes gordurosas, doces, etc.), apesar de ser algo muito prazeroso no curtíssimo prazo, é uma péssima decisão se pensarmos no longo prazo. Precisamos perceber que ao agirmos por impulso e comprarmos uma roupa só porque achamos bonita, estamos sendo fantoches da dopamina.

Não vivemos mais nas savanas. Vivemos numa sociedade afluente. Precisamos nos conscientizar quanto às suas armadilhas. Precisamos buscar auto-conhecimento. Existem atividades que ajudam muito nessa busca: prática de esportes, leitura, artes e, acima de tudo, meditação. Precisamos imediatamente perceber que somos reféns de mecanismos fisiológicos que, não obstantes terem sido benéficos nos tempos das savanas, hoje em dia são muito maléficos.

Por um mundo mais minimalista. Por um capitalismo menos dopaminado.

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Lucas Favaro

Globalista | Minimalista | Entusiasta do transumanismo e do altruísmo eficaz | Gosto de ciência e economia.