BBB e competição desleal — Sim, Tiago Leifert, é possível um resultado injusto mesmo se as regras não forem quebradas

Lucas Favaro
8 min readMay 3, 2021

Que Juliette Freire é a campeã do BBB 21 já está dado. Ela tem em suas fileiras de fãs um contingente enorme de jovens twitteiros e instagramers que passam o dia inteiro seguindo as orientações dos perfis oficiais das redes sociais da participante.

Mas, apesar de ter tido um grande destaque no início do programa, ao ser excluída por quase todos da casa, e um destaque razoável na metade, ao ser vítima daquilo que ela diagnosticou, corretamente ao meu ver, como um “efeito manada”, o fato é que Juliette ganhará essa edição do BBB mesmo não tendo feito grandes coisas — e outro fato é que o grande protagonista dessa edição, Gil do Vigor, foi eliminado antes da final.

Por que o protagonista foi eliminado? Porque a equipe da Juliette nas redes decidiu, no paredão da eliminação de Gil, se posicionar contra o vigoroso — e, portanto, como dito acima, os jovens cactos seguiram cegamente as ordens da equipe oficial. Mas como isso aconteceu? Como uma pessoa chata conseguiu acumular tantos seguidores fanáticos e, assim, vencer o BBB? No que vem a seguir conjecturo uma possível resposta a essa pergunta.

A manipulação das massas

Os escândalos da Cambridge Analytica são paradigmáticos. Como mostrado no documentário “The Great Hack”, essa empresa atuou intensivamente para manipular o comportamento dos eleitores em vários lugares do mundo (os casos mais emblemáticos são a sua atuação no Brexit e nas eleições americanas de 2016). Basicamente, o que essa empresa fazia era mapear exatamente o perfil psicológico dos eleitores, utilizando-se pra isso de uma base de dados enorme coletados nas redes sociais, e a partir disso ela mostrava, na sessão de notícias patrocinadas, conteúdos que influenciassem na mudança do comportamento dos eleitores de modo a favorecer os clientes da empresa — tais como a equipe de Donald Trump.

Outro exemplo de manipulação das massas foi a de russos que tinham páginas que supostamente apoiavam o movimento negro mas que, na verdade, tinham por objetivo manipular as eleições americanas em favor dos republicanos, desencorajando negros a irem votar no dia das eleições — e como negros votam majoritariamente pelos democratas, a ausência de seus votos favoreceria os republicanos. Esse caso foi resumido nesse artigo da BBC — para ler em detalhes sobre, veja aqui o relatório do Senado americano.

Esses casos mostram perfeitamente como é possível manipular o comportamento das pessoas a partir de notícias na internet. Não apenas Trump se utilizou desse artifício: manipular a opinião pública mediante notícias plantadas virou tarefa corriqueira entre os políticos, principalmente em épocas de eleição. Bolsonaro e sua equipe, por exemplo, vêm se utilizando habilmente desse tipo de artimanha, como o uso de disparos em massa de fake news via whatsapp.

Ocorre que há indícios de que a equipe da Juliette tenha imitado o modus operandi dos políticos populistas e tenha conquistado dessa forma a enorme quantidade de seguidores em suas redes. O primeira indício disso é que o líder da sua equipe de social media de 20 pessoas (um número absurdo, diga-se, e muito maior que de que qualquer outro participante da história do BBB) é um especialista em propaganda digital que trabalhou para José Serra nas eleições municipais de 2012 e foi condenado por ter espalhado fake news a respeito do então adversário de Serra durante as eleições, Fernando Haddad.

O segundo indício: conforme diz o jornalista Erlan Bastos, há um participante da casa que comprou vários perfis de fofocas das redes sociais para fazer notícias favoráveis ao participante. De onde está saindo o dinheiro para pagar esses perfis? Segundo o jornalista, de grandes empresas — e então o participante, para pagar essas empresas, fará propagandas e comerciais pra elas quando ele sair da casa. Quem é o participante a que se refere Erlan? Não sabemos, pois ele não diz — resta pressioná-lo para tirar a dúvida. Mas podemos ter um forte palpite, já que há uma participante que praticamente monopoliza os perfis de fofocas do Instagram.

Todos esses perfis do Instagram apoiam, senão descaradamente pelo menos implicitamente, a participante Juliette Freire.

Um fato que reforça ainda mais as nossas suspeitas é que a Avon fez torcida pela saída do Gil em seu perfil no Twitter. Resta a pergunta: por que uma patrocinadora do BBB faria uma coisa dessas? Será que não há laços escusos entre essa marca e certos participantes da casa? O tweet descarado feito pela Avon torna essa dúvida completamente legítima.

Eles apagaram o retweet, mas não antes do belo screenshot.

Por fim, mais um indício de replicação do modus operandi de políticos populistas: um dos administradores do perfil da Juliette no Twitter disse que o perfil dela havia sido suspenso devido a um “mutirão de denúncias”, quando na verdade foi por direitos autorais, segundo Felipe Neto, que se comunicou diretamente com a equipe do Twitter para saber sobre o ocorrido. Ou seja, o administrador do perfil da Juliette espalhou notícia falsa.

Tweet de um dos adms das redes da Juliette.

Iremos parar por aqui com a exposição dos indícios. Mas se o leitor quiser saber de ainda mais indícios e paralelos com políticos populistas feitos pela equipe da participante, sugerimos essa thread do Twitter.

O problema econômico da competição desleal

Caso realmente haja algum esquema obscuro (ainda que não ilegal) envolvendo a participante Juliette, grandes empresas e blogs/perfis de fofoca, isso daria um belo estudo de caso de competição desleal. A competição/concorrência desleal é definida em economia como o uso de alguma tática considerada desleal para aumentar o poder de mercado e, assim, os excedentes da empresa. O caso mais notório desse tipo de prática é o dumping, em que uma grande empresa, para dominar determinado mercado, abaixa os seus preços durante um grande período de tempo. Como ela é grande, pode suportar os prejuízos temporários, mas seus pequenos concorrentes não. A partir do momento que os concorrentes quebram e sobra apenas a grande empresa no mercado, ela passa a possuir poder de monopólio e consegue auferir lucros que mais do que compensam o prejuízo temporário.

Por que eu considero que a prática de compras de perfis de fofoca mediante contratos com grandes marcas e espalhamento de fake news é uma competição desleal? Porque, apesar desse tipo de tática ser (pelo menos por enquanto) permitido pelo BBB, ele é, caso tenha sido usado, novo. A compra de sites de fofocas mediante contratos de publicidade é uma ferramenta que sempre esteve disponível aos participantes do programa, mas que nunca foi usada, pelo menos não de forma tão intensiva, primorosa e sagaz.

Pense no seguinte: a paradinha na hora da cobrança dos pênaltis foi algo sempre permitido no futebol. Não havia nesse esporte uma regra que proibisse o uso de tal artifício. Então alguns cobradores de pênalti comaçaram a usar e abusar dessa tática. Mas nós sentimos, nós sabemos que essa jogada é uma tática ardilosa: ela dá uma vantagem injusta ao cobrador em detrimento do goleiro. Em vista disso, as organizações de futebol proibiram o uso desse ardil. A paradinha na cobrança do pênalti trata-se de uma competição desleal.

O mesmo serve para a tática de compras de perfis de fofoca mediante contratos com grandes marcas. Nós sentimos, nós sabemos que isso é um ardil, e, por isso, caso algum participante se utilize dessa tática, é preciso que se mude as regras do BBB pra evitar a replicação dela.

Além disso, há um problema de mudança dos incentivos: com o uso dessa tática, não ganha aquele que fornece o maior entretenimento ao público, mas sim quem fecha na surdina os melhores contratos. Os incentivos dos participantes são completamente subvertidos para gerar um nível de entretenimento abaixo do que seria possível. O recado passado é: quer ganhar o BBB? Então arrume a melhor equipe de social media e feche os melhores contratos — é isso que vai te garantir a vitória, e não se jogar de corpo e alma no programa.

Mas essa mudança nos incentivos gera uma situação sub-ótima. Se realmente Juliette utilizou dessa ferramenta, certamente a procura pelo uso dessa tática será feita a partir de agora, nos BBBs futuros, por todos os participantes. O resultado disso é que, quando o novo equilíbrio do uso ótimo de táticas ocorrer e todos os participantes ficarem nesse frenesi de buscar a melhor equipe para gerir as redes sociais, fazer contatos e fechar contratos, todos sairão perdendo — os espectadores porque agora eles estarão sendo saturados de notícias plantadas e patrocinadas, e os participantes porque agora eles terão que despender mais recursos financeiros com o BBB pagando uma equipe de profissionais para moldar a opinião das massas. Em linguagem econômica, esse é um caso claro de equilíbrio de Nash Pareto-ineficiente.

Não me entendam mal: nesse mundo digitalizado, ter uma boa equipe de social media é essencial pra qualquer participante de BBB. Mas fazer o que foi dito acima, além de não ser essencial, é injusto.

Essa será uma das finais mais sem sal de todas as edições, no que foi prometido ser o big dos bigs: terá uma planta, um ranzinza feministo e uma líder de hordas, e o resultado final já é mais do que sabido por todos. Portanto, não é surpresa que o movimento #BoicoteFinalBBB vem crescendo cada vez mais. Isso significa que não apenas os participantes e os espectadores perdem com o uso do tipo de tática esboçada acima, mas também o próprio programa, na forma de menor audiência.

Em toda competição há regras para se evitar competição injusta. Na maioria dos esportes há teste antidoping; na Fórmula-1 e demais competições automobilísticas há limitações específicas de engenharia que o carro precisa seguir. O BBB também tem seu conjunto de regras, mas talvez uma atualização precisa ser feita nessas regras, justamente para se evitar novos tipos de competição desleal. Um bom começo seria proibir a compra de sites e perfis de fofocas por parte de algum participante, com a sanção de expulsão do programa caso isso ocorra.

Portanto, Tiago Leifert, nem sempre seguir as regras faz com que a competição seja justa. Mesmo no futebol, onde aparentemente as coisas são simples, surge de tempos em tempos o uso de algum artifício criativo que acaba tornando a competição desleal, como foi o caso da paradinha. Isso obriga as entidades esportivas a atualizarem suas regras pra evitar que o esporte perca a graça.

Se isso ocorre até mesmo no futebol, imagina na política, onde a dinâmica é muito mais complexa: por se tratar de uma competição que envolve o manejo da psicologia da população, então há possibilidade de que existam estratagemas de convencimento das massas ainda não explorados por nenhum outro competidor. Foi o que aconteceu com Trump em 2016 e Bolsonaro em 2018.

O BBB também é uma brincadeira que envolve a psicologia das massas. Logo, ele abre margem para o uso de estratagemas ainda não explorados por ninguém. E quando isso acontecer, se eu perceber que de fato esse seja o caso, irei apontar o dedo e dizer: eis aí uma competição desleal e injusta.

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Lucas Favaro

Globalista | Minimalista | Entusiasta do transumanismo e do altruísmo eficaz | Gosto de ciência e economia.